Nobel da Paz rompe com regime sul-africano

Antônio Assis
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O Globo


JOHANNESBURGO — O arcebispo emérito da Cidade do Cabo e Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu, amigo de toda a vida do ex-presidente Nelson Mandela e considerado por muitos a voz da consciência da África do Sul, anunciou que não pretende mais votar no Congresso Nacional Africano (CNA), partido emergido da luta antiapartheid que comanda o país desde o governo Mandela (1994-1999).

Tutu escreveu em um editorial publicado na última quinta-feira no “Globe and Mail” que, “embora não seja um mebro de carteirinha de nenhum partido político”, ele não voltaria a votar no CNA “depois da maneira pela qual as coisas aconteceram”.

“É uma dor profunda, para velhos como eu, ver nosso país se deteriorando e escorregando do patamar moral que achávamos que pertencia a nós”, escreveu.

Essas não são as primeiras críticas de Tutu ao CNA. Antes das eleições de 2009, que levaram ao poder o atual presidente sul-africano, Jacob Zuma, ele havia dito que “um dia começaremos a rezar pela derrota do CNA, assim como rezamos pelo fim do apartheid”. Na ocasião, o partido governista condenou os comentários, qualificando-os de “sacrilégio”.

No editorial desta semana, Tutu descreveu o CNA como “uma boa unidade de luta pela liberdade”, mas expressou seu desejo de que a população sul-africana parasse de votar com o coração e passasse a escolher o governo com base nas suas políticas, em vez do legado do movimento de libertação.

O Prêmio Nobel da Paz afirmou que o governo do CNA está disseminando uma cultura de corrupção e impunidade no país e qualificou de “desgraça” e “traição total” o histórico de votações da África do Sul na Organização das Nações Unidas, culpando os políticos sul-africanos pela deterioração da democracia e da economia do vizinho Zimbábue. O CNA se recusou a comentar o editorial.

No texto, Tutu instou os sul-africanos a se prepararem para a inevitável morte de Mandela:

“Ele tem 94 anos, passou por dificuldades de saúde, e Deus tem sido muito, muito bom em mantê-lo conosco por todos esses anos. Mas o trauma por seu falecimento será muito maior se não começarmos a nos preparar. A maior homenagem a Nelson Mandela seria uma democracia que estivesse realmente funcionando.”

O próprio Tutu, de 81 anos, esteve internado por cinco dias há duas semanas para tratar de uma infecção persistente.

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