José Teles
JC Online
A grande maioria dos tributos em disco a Luiz Gonzaga neste ano do centenário, foi demasiadamente reverente, fiel à obra original. Isto os melhores. Mesmo quando o intérprete é de reconhecida competência, não dá para competir com Lua. O que ele cantava virava, com raras exceções, versão definitiva. Porém, o mais grave nestas homenagens foi o repertório. Os artistas geralmente dão preferência às figurinhas carimbadas da obra caudalosa de Gonzagão. Os produtores do Lado B de Gonzaga, disco será lançado hoje, na Passa Disco, às 19h, partiram por outros caminhos. Este projeto lembra o antológico Baião de viramundo (2000), um tributo a Luiz Gonzaga, gravado aqui no Recife, com músicos da cena pernambucana, e traduzindo as canções de Lua para um universo contemporâneo.
O lado B do Gonzagão começou com um papo de Bruno Lins (Fim de Feira), e Mauro Alencar, do Memorial Luiz Gonzaga: “Ano passado a gente pensou em fazer um tributo que não seguisse o que tem sido feito. A gente sentou lá no Memorial Luiz Gonzaga, e aí fez um levantamento inicialmente das canções menos conhecidas e que, efetivamente, figuram no lado B dos discos de Gonzaga. Dai surgiu o repertório inicial, que teve algumas mudanças em função das liberações dos direitos autorais”, conta Bruno Lins, que produziu o disco com Cláudio Rabeca, Tonzinho, e Luccas Maia. O quarteto também assina quase todos os arranjos. Na conversa entre Bruno Lins e Mauro Alencar (mais conhecido como Junior do Bode), eles repassaram a obra de Gonzagão, atentos às menos badaladas ou pouco regravadas: “Uma seleção inicial de mais de 50 musicas. A gente teve o cuidado de buscar também um repertório mais eclético mesclando baião, xote, samba, toada, valsa. Dando uma dimensão menos reducionista do que se propaga do repertório dele atualmente. Algumas faixas o próprio interprete pediu pra gravar, como foi o caso de Geraldo Maia com Amor da minha vida (Raul Sampaio/Benil Santos), ou Braia dengosa, com Herbert Lucena”, continua Bruno Lins.
O lado B do Gonzagão reúne nomes de gerações diferentes da música pernambucana. Alguns que estão na estrada desde os anos, como é ocaso de Geraldo Maia, ou Adriana BB, e outros que só agora começam a cair na estrada, caso de Ylana Queiroga. E ainda alguns com pouco tempo de estrada, como acontece com Zé Manoel. Cada um cantou Luiz Gonzaga à sua maneira. Nenhum radicalizou na receita, mas também ninguém seguiu a cartilha consagrada por Lua, de voz, sanfona, zabumba e triângulo. Nada da ortodoxia do forró pé-de-serra Um dos mais ousados foi o petrolinense Zé Manoel, que driblou a forma, e foi fundo no conteúdo, pegando o espírito da coisa. Deu a Menestrel do sol uma roupagem de country blues à Bob Dylan, conforme explica Bruno Lins: “Essa faixa que ele canta foi toda produzida e gravada em Boston, nos Estados Unidos com músicos de vários locais do mundo. Um deles é um cara chamado Noé Sosha, que toca harmônica e a guitarra slide, um músico cego, nascido na Itália, mas que mora em Boston, estuda em Berklee. A faixa foi produzida por um cara chamado João Nogueira, que também mora lá e estuda na Berklee”.
DISCO
Das 50 faixas selecionadas inicialmente, foi escolhida uma dúzia, que ratifica o poder de fogo de Gonzagão, que mirava e acertava nos mais variados alvos. O disco mostra que, igualmente, o Rei do Baião, ia de tudo, e muito bem. Geraldo Maia, por exemplo, canta uma guarânia do capixaba Raul Sampaio (em parceria com Benil Santos), que Luiz Gonzaga gravou em 1960 (e que se tornou um clássico da música caipira). Geraldo Maia a interpreta em clima seresta. A seleção também se valeu pouco dos dois mais importantes fornecedores de músicas para Lua: Zé Dantas e Humberto Teixeira. Só duas levam a assinatura de Teixeira, Baião de São Sebastião, gravada pela Fim de Feira, e Menestrel do sol, a faixa gravada por Zé Manoel (com um arranjo que lembra muito I forgot more than you'll ever know, de Cecil Allen Null, gravada por Dylan em 1970). De Zé Dantas entraram duas o maracatu Braia dengosa, e 13 de dezembro. Gravadas respectivamente por Herbert Lucena e Rivotril.
A obra de Luiz Gonzaga é tão vasta que nela coube uma infinidade de gêneros, entre estes o samba. Feijão com couve (samba em parceria com J.Portela, e já gravada por Geraldo Maia) está no Lado do Gonzagão com o Quinteto Dona Zaíra. Mais um samba pouco conhecido de Gonzagão, Tenho onde morar (parceria com Dario de Souza, e também já gravado por Geraldo Maia), ganha nova interpretação de Vanessa Oliveira. Jr.Black vai de Chofer de praça, um dos maiores sucessos de Luiz Gonzaga nos anos 50, que caía no esquecimento. Calango da lacraia (parceria com J.Portela), já havia recebido uma ótima regravação com Elba Ramalho. Aqui Ylana Queiroga e Luccas Maia tornam a música irresistível, com uma guitarrona na abertura. Por que não? Lembram da introdução de O fole roncou (de Nelson Valença), na gravação perfeita de Gonzagão? E assim nada a estranhar que Faz força Zé (Rosil Cavalcanti) tenha como principal instrumento uma rabeca, uma faixa gravada por Cláudio Rabeca. Clayton Barros leva o Romance matuto (Luiz Bandeira), para praias jamaicanas, em levada de ska.
O endereço da Passa Disco:Estrada do Encanamento, 480 - loja 07 - Parnamirim. Outras informações: 3268-0888 . O disco custa R$15.