Sem Chocar ou Provocar Medo, Livro Infantil Fala de Abuso Sexual Contra Crianças

Antônio Assis
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Hugo Monteiro é o autor do livro Antônio (Escrita Fina), lançado neste ano, que envolve um dos assuntos mais polêmicos do universo infantil Foto: Divulgação

Pedro Paz
Do NE10
 
O assunto é sério. Na câmara dos deputados brasileira, estão em discussão dez propostas que transformam o abuso sexual de crianças e adolescentes em crime hediondo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 57% dos abusos sexuais, em todo o mundo, são interfamiliares. A reportagem do NE10 conversou com o escritor pernambucano Hugo Monteiro Ferreira. Ele é autor do livro Antônio (Escrita Fina), lançado neste ano, que envolve um dos assuntos mais polêmicos do universo infantil: a atração sexual primária de um indivíduo adulto ou adolescente por crianças pré-púberes (8 a 12 anos de idade).
Na entrevista, o escritor explica suas motivações para inserir o assunto na sua literatura; a responsabilidade da televisão e da publicidade na mercantilização do erótico; os planos discursivos que adotou na publicação e as estratégias adotadas pelo ministério da educação para discutir o assunto, principalmente, nas escolas públicas brasileiras.

Confira a entrevista com o escritor Hugo Monteiro Ferreira:
NE10: Preocupada com a segurança da própria filha, a autora Odívia Barros, que foi abusada na infância, decidiu escrever "Segredo Segredíssimo", primeiro livro do gênero no Brasil. A sua motivação foi a mesma?

Hugo Monteiro Ferreira: Não. Eu não fui abusado sexualmente. O que me fez escrever “Antônio” foi acreditar que as crianças precisam de proteção. “Antônio” é meu grito de alerta. Por meio dele, é como se eu estivesse dizendo: as crianças precisam ser protegidas. As crianças precisam de amparo. As crianças precisam de cuidado. As crianças dependem dos adultos. Os adultos não podem ser perigo para as crianças, mas segurança. “Antônio” é isso: minha luta pelas crianças transformada em linguagem literária.

NE10: Em entrevista concedida ao programa Fantástico (TV Globo), em maio deste ano, a apresentadora Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, revelou que sofreu abuso sexual na infância e na adolescência. Qual a responsabilidade da televisão e até mesmo da publicidade na mercantilização do erótico?

Hugo Monteiro Ferreira:
Muita. A televisão entra nos cômodos das casas. Ocupa espaço privilegiado nas famílias. É quase inerente à condição humana. A televisão tem força. Ela é palavra, ela é imagem, ela é modelo. Se ela diz uma coisa, então as pessoas ouvem o que ela diz. A televisão não deve estimular o erótico de modo tão mercantil como tem sido feito. O erótico não é o problema, o problema é utilizar o erótico para vender, para fazer consumo, para seduzir de modo indevido. As crianças não estão preparadas para o erótico transformado em objeto de consumo. No entanto, num sistema econômico e social como o nosso, as crianças são apresentadas a cenas e a expressões que não as respeitam. Não acho que devamos demonizar a televisão ou a publicidade, mas acredito que precisamos refletir que tipo de mensagem essas invenções humanas têm passado e repassado para as nossas crianças.

NE10: A maioria das crianças se encaixaria na descrição da personagem Antônio. E o enredo habitual do livro apresenta a sucessão dos fatos que geralmente acontecem num caso de pedofilia. Você utilizou essas estratégias discursivas com o propósito de tornar a história universal?

Hugo Monteiro Ferreira: Eu escrevi Antônio para contar a história de Antônio. E essa história infelizmente é muito comum. Os índices de abuso sexual no mundo são altíssimos. As crianças sofrem horrores nas mãos de adultos – mulheres e homens – doentes. Acho que o drama de Antônio toca na alma de crianças em todos os países do planeta, seja no Ocidente, seja no Oriente. É muito importante que se pense nisso.

NE10: A grande metáfora de Antônio está concentrada no texto. A bonita ilustração da Camila Carrossine apenas ratifica sua narrativa. As crianças têm cognição suficiente para entender o tema central? Ou no meio do caminho pode haver um desvio? Porque você dá dicas, por exemplo, por meio do uso gráfico de caixa alta em alguns trechos. Certamente, elas podem aplicá-las a outros casos de violência.

Hugo Monteiro Ferreira: Sua pergunta é bastante inteligente. Crianças muito pequenas quando leem Antônio não fazem relação com o tema pedofilia, mas elas entendem que A mão é maldosa e faz maldade com Antônio, então elas não se identificam com A mão, mas se identificam com Antônio. Acredito que Camila Carrossine conseguiu perceber a sutileza de minhas palavras e fez ilustrações que dialogam com o meu texto. Gosto particularmente das ilustrações do meio e do final do livro, além, é claro, do meu Antônio de cabelo vermelho. Entendo que as crianças são inteligentes, perspicazes, argutas, capazes de ver o que, muitas vezes, nós adultos não vemos. As crianças veem com um olhar caleidoscópico e isso permite e possibilita a esse leitor a compreensão das metáforas que uso, ainda que tais metáforas, em algumas situações, sejam muito sofisticadas.

NE10: Qual a sua avaliação sobra as estratégias adotadas pelo Ministério da Educação para discutir o assunto pedofilia, principalmente, nas escolas públicas brasileiras?

Hugo Monteiro Ferreira: Sou a favor de toda e qualquer ação inteligente que possa minimizar e erradicar o sofrimento das crianças. O MEC tem, no meu entendimento, feito pouco ainda em relação ao tema pedofilia. De verdade, quem tem feito um trabalho muito relevante é a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Nesta Secretaria existe uma coordenação especifica para tratar sobre o combate ao abuso sexual. Tenho esperança de que, em breve, Antônio possa ser avaliado pela equipe do PNEB (Programa Nacional da Escola Básica) e, caso seja considerado relevante pela equipe, componha o acervo das bibliotecas escolares de nosso País. Penso que se o MEC investir, de modo mais intenso, na reflexão e discussão dessa problemática, por meio da leitura, o ministério conseguirá discutir, de modo acurado, a problemática na escola publica.

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