Talles Colatino
Folha-PE
Na ficção, as mulheres de Jorge Amado foram várias. No plano real, porém, não houve nenhuma como Zélia. Ao longo de 56 anos, o escritor dividiu com Zélia Gattai (1916 - 2008) uma história de amor inspiradora, que motivava boa parte dos seus pensamentos, pautaram a arquitetura afetiva tão presente nos seus personagens e a quem dedicou vários dos seus romances. Zélia foi, em vida, a motivação do romantismo e da sensualidade que emanaram das histórias de Jorge.
Filha de imigrantes italianos, Zélia nasceu em São Paulo e, com a família, participava do movimento político-operário anarquista que aproximava os imigrantes que viviam no Brasil no início do século 20. A aproximação com a política a levou até o dirigente comunista Aldo Veiga, com quem casou e gerou seu primeiro filho, Luís Carlos (1942 - 2008). O encontro com Jorge Amado também foi pelo caminho militante. O futuro casal se conheceu em 1945, em um comício pela anistia de presos políticos, que celebrava a liberdade de Luiz Carlos Prestes.
A partir dali começaram a trabalhar juntos. O início do namoro aconteceu após um jantar em homenagem ao poeta Pablo Neruda, como lembra Zélia em uma de suas últimas entrevistas, concedida ao jornal Folha de S. Paulo. “Após a confraternização, ele foi levar o Neruda ao hotel e me deu uma carona. Jorge nunca dirigiu na vida, então fomos de táxi. Em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, ele pediu para o motorista parar e comprou uma lata enorme cheia de cravos vermelhos e os atirou em mim. Tomei um banho de cravos, dos pés à cabeça, fiquei toda molhada. Esse foi o começo de uma vida em comum que durou 56 anos.” Juntos, tiveram João Jorge e Paloma, que hoje cuidam do acervo da família.
Apaixonada por fotografia, Zélia dedicou boa parte de sua vida a registrar os momentos mais importantes da vida de Jorge Amado. Sua importância para história da cultura brasileira, porém, vai muito além da sombra do marido. Estreou na literatura aos 63 anos, com “Anarquistas, Graças a Deus” (1979) e ocupou a cadeira que pertenceu a Jorge na Academia Brasileira de Letras. Dedicou-se principalmente à literatura memorialista, escrevendo sobre as lembranças da militância política e da vida ao lado do seu baiano duplamente amado.