Correio Brasiliense
Não são apenas flores, folhas e frutos que brotam das árvores da Universidade de Brasília (UnB). Delas, também saem rostos, mãos e até um bebê. São peças em argila ou breu, um tipo de resina, esculpidas por alunos de artes plásticas para chamar a atenção para os problemas ambientais. Os troncos e os galhos ganham feições humanas na tentativa de aproximar o homem da natureza e tornar mais afetiva e respeitosa a relação entre os dois. Os estudantes fazem parte do grupo Coletivo Aia, palavra que quer dizer alma em linguagem indígena. Eles fazem moldes do próprio rosto e de outras partes do corpo com esses materiais e, depois da secagem, os encaixam no corpo das árvores.
As cores das máscaras feitas em argila ou breu são parecidas com o tom dos troncos, por isso, misturam-se a eles e passam a fazer parte da estrutura. Quem caminha pelo câmpus muitas vezes se surpreende com a cena: uma mão sai da casca ou um rosto expressivo fita o espectador. A ideia surgiu depois da derrubada de árvores na UnB para a construção de uma maloca, perto de uma área conhecida como Maquete e também da Faculdade de Direito. “Notamos a derrubada de várias espécies nativas. Achamos muito estranho e resolvemos checar com os responsáveis pela obra. Descobrimos que eles não tinham autorização do câmpus para derrubar tantas unidades. Daí, surgiu o protesto”, contou Camila de Araújo, 23 anos, uma das participantes do projeto e aluna do 6º semestre de artes plásticas.
O estudante César Augusto Flores Becker, 24, do 9º período, é o responsável pela ideia inicial. Antes de enfeitar as árvores da UnB, ele havia testado colocar máscaras embutidas na vegetação da casa dele. “Vi algo parecido com um artista chamado William Ricketts, que viveu em uma aldeia aborígene e fazia esculturas que misturavam feições humanas às pedras. Quis testar algo nesse sentido de preocupação ambiental, de estreitar a relação entre o homem e a natureza, fazê-lo reconhecer-se nela. Com a derrubada das árvores, era a hora certa. Formamos o coletivo e começamos a trabalhar juntos”, relatou César.
Os artistas escolheram argila e breu como material de trabalho devido às características da composição deles. A primeira dura pouco tempo na natureza, com chuvas e umidade derrete aos poucos e desaparece. O breu também se desfaz. Além disso, não é necessário usar cola, por exemplo, para fixar as peças, que se pregam naturalmente e nenhum dano é provocado ao meio ambiente. “Usamos argila e breu, que é uma resina retirada de árvores, porque passam essa ideia de algo que saiu da natureza e volta para ela, esse ciclo”, explicou César.
Reflexão
Os moldes são feitos no rosto dos alunos. Demoram cerca de uma hora para ficarem prontos. O Coletivo Aia existe desde janeiro. Atualmente, há cinco árvores com trabalhos do grupo na UnB. Houve épocas em que havia 15 peças coladas nos troncos, mas, como elas se desfazem sozinhas, as produções somem com o tempo. A intenção é espalhar a ideia por toda Brasília. “Tiramos dinheiro do nosso bolso para executar as ideias, então, não podemos fazer muito, por enquanto. Mas com certeza vamos expandir, levar o projeto para o Eixão”, afirmou César.
Apenas os mais distraídos ficam indiferentes ao rosto das árvores. “Tem gente que passa apressada e nem vê. Mas a maioria repara, para, observa. É esse o objetivo: causar estranheza, provocar uma reflexão. Infelizmente, algumas pessoas retiram as peças das árvores, quebram, mas é uma minoria”, lamentou César. Quem quiser participar do coletivo, fazer um molde do próprio rosto ou colaborar de alguma maneira com o grupo pode procurar pelos representantes na Maquete ou enviar um e-mail para coletivoaiaunb@gmail.com.
Material
A argila está presente no barro e forma-se graças à alteração do estado das rochas, que se fragmentam em partículas pequenas por causa de atrito, por exemplo. Pode-se encontrar o material às margens de rios. Um pacote com 5kg custa cerca de R$ 15. O breu é um tipo de resina retirada de árvores. A extração é parecida com a da seringueira, mas, em vez de vincos, abre-se um painel sob a casca. É usado na produção de tintas.