Da Folha
JANIO DE FREITAS
Um passo mais longo
Decisão do TSE impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram
O retoque feito na Lei da Ficha Limpa pelo Tribunal Superior Eleitoral, barrando novas candidaturas de quem teve as contas da campanha de 2010 reprovadas, ainda não elimina o farto enriquecimento criminoso de candidatos com o desvio de contribuições. Mas já impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram.
A Ficha Limpa -não esqueçamos jamais: projeto de iniciativa popular- é o primeiro passo pela moralização eleitoral e a apertada decisão do TSE vem lhe dar maior alcance. A decisão por 4 a 3, obtida pelos ministros Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Marco Aurélio e Nancy Andrighi, é mais uma indicação de que a tão citada sintonia entre população e Judiciário não passou dos discursos.
Mas nem por isso os esperados recursos de pré-candidatos atingidos têm motivo para otimismo, no Supremo e, mesmo com as próximas substituições, no TSE.
As "brechas" que alguns dizem haver na decisão sobre as contas não chegam a ser problemas maiores. Para quem ainda não teve as contas de 2010 examinadas pela Justiça Eleitoral, por exemplo, pode haver a antecipação do exame, o que até evitaria complicações futuras. Ou, vamos para a solução complicada, se depois de eleitos, ou empossados, tiverem aquelas contas reprovadas, fazem as malas e dão o lugar ao substituto. No caso de prefeitos, pode exigir nova eleição, mas vale a pena do mesmo jeito.
Outro episódio que manteve as reticências, ou mais, na sintonia população/Judiciário difundiu notícias, digamos, equivocadas. O Supremo não liberou as investigações do Conselho Nacional de Justiça, representado pela corregedora Eliana Calmon, sobre magistrados. Apenas pode ser retomada a verificação das declarações de renda e dos vencimentos globais de magistrados, medida normal.
Nenhum magistrado que venda sentença ou que crie retenção de processos, porém, vai declarar no Imposto de Renda, ou outro documento qualquer, o crescimento ilegal do seu patrimônio. Irá gozá-lo, comprovavelmente, isso sim. Como bens em nome de outros.
Patrimônio e movimentação financeira, no entanto, o ministro Luiz Fux manteve isentos de investigação, havendo a expectativa de que o plenário do Supremo examine em abril a possibilidade, ou não, de que a Corregedoria os verifique. Nesse capítulo de moralização, houve um passo incompleto lá atrás e depois, em vez de um retoque, um borrão enorme.
OUTRAS FICHAS
Já anda por algumas centenas, mas quanto mais assinaturas tenha o manifesto dos militares desativados contra a presidente da República, sua comandante suprema, e contra o ministro da Defesa, melhor para todos. Eles e nós.
Os comandantes do Exército, Enzo Martins Peri, da Aeronáutica, Juniti Saito, e da Marinha, Julio Soares de Moura Neto, transpostos do governo passado ao atual, têm conduta exemplar, profissional e pessoal. Não se sabe que esforço lhes custa, se custa algum, projetar sua conduta sobre a dos comandados. Seja qual for, têm êxito e nisso dão contribuição essencial à árdua construção da democracia -lenta, gradual e, ainda, restrita.
Os que assinam o manifesto, todos da reserva ou reformados, eram a própria ditadura. Foram parte do seu sustentáculo e de tudo o que nela foi feito e eles temem ver exposto plenamente e julgado. Eram a ditadura ontem, são hoje a voz da ditadura. Não é mal que façam o país ouvir a voz roufenha, velada e já trêmula da ditadura.
Também é assim que somos forçados a não perder a consciência de nossa própria história. O mesmo acontece com eles: não se esquecem do que foram -e, logo, são. E nós outros formamos a consciência de que serão necessárias duas, talvez três gerações, se tudo correr como necessário ao processo de democratização, para que não haja mais resquícios venenosos no profissionalismo militar brasileiro.
A história militar no Brasil, desde a conspiração para o golpe da República, é uma história de indisciplina. Muitos dos que viveram em indisciplina não podem compreender outra conduta.
BOCEJO
José Serra noticia que seu sonho de presidente "está adormecido". Se é adormecido, que nem sono mesmo é, Serra antecipa uma informação interessante.
JANIO DE FREITAS
Um passo mais longo
Decisão do TSE impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram
O retoque feito na Lei da Ficha Limpa pelo Tribunal Superior Eleitoral, barrando novas candidaturas de quem teve as contas da campanha de 2010 reprovadas, ainda não elimina o farto enriquecimento criminoso de candidatos com o desvio de contribuições. Mas já impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram.
A Ficha Limpa -não esqueçamos jamais: projeto de iniciativa popular- é o primeiro passo pela moralização eleitoral e a apertada decisão do TSE vem lhe dar maior alcance. A decisão por 4 a 3, obtida pelos ministros Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Marco Aurélio e Nancy Andrighi, é mais uma indicação de que a tão citada sintonia entre população e Judiciário não passou dos discursos.
Mas nem por isso os esperados recursos de pré-candidatos atingidos têm motivo para otimismo, no Supremo e, mesmo com as próximas substituições, no TSE.
As "brechas" que alguns dizem haver na decisão sobre as contas não chegam a ser problemas maiores. Para quem ainda não teve as contas de 2010 examinadas pela Justiça Eleitoral, por exemplo, pode haver a antecipação do exame, o que até evitaria complicações futuras. Ou, vamos para a solução complicada, se depois de eleitos, ou empossados, tiverem aquelas contas reprovadas, fazem as malas e dão o lugar ao substituto. No caso de prefeitos, pode exigir nova eleição, mas vale a pena do mesmo jeito.
Outro episódio que manteve as reticências, ou mais, na sintonia população/Judiciário difundiu notícias, digamos, equivocadas. O Supremo não liberou as investigações do Conselho Nacional de Justiça, representado pela corregedora Eliana Calmon, sobre magistrados. Apenas pode ser retomada a verificação das declarações de renda e dos vencimentos globais de magistrados, medida normal.
Nenhum magistrado que venda sentença ou que crie retenção de processos, porém, vai declarar no Imposto de Renda, ou outro documento qualquer, o crescimento ilegal do seu patrimônio. Irá gozá-lo, comprovavelmente, isso sim. Como bens em nome de outros.
Patrimônio e movimentação financeira, no entanto, o ministro Luiz Fux manteve isentos de investigação, havendo a expectativa de que o plenário do Supremo examine em abril a possibilidade, ou não, de que a Corregedoria os verifique. Nesse capítulo de moralização, houve um passo incompleto lá atrás e depois, em vez de um retoque, um borrão enorme.
OUTRAS FICHAS
Já anda por algumas centenas, mas quanto mais assinaturas tenha o manifesto dos militares desativados contra a presidente da República, sua comandante suprema, e contra o ministro da Defesa, melhor para todos. Eles e nós.
Os comandantes do Exército, Enzo Martins Peri, da Aeronáutica, Juniti Saito, e da Marinha, Julio Soares de Moura Neto, transpostos do governo passado ao atual, têm conduta exemplar, profissional e pessoal. Não se sabe que esforço lhes custa, se custa algum, projetar sua conduta sobre a dos comandados. Seja qual for, têm êxito e nisso dão contribuição essencial à árdua construção da democracia -lenta, gradual e, ainda, restrita.
Os que assinam o manifesto, todos da reserva ou reformados, eram a própria ditadura. Foram parte do seu sustentáculo e de tudo o que nela foi feito e eles temem ver exposto plenamente e julgado. Eram a ditadura ontem, são hoje a voz da ditadura. Não é mal que façam o país ouvir a voz roufenha, velada e já trêmula da ditadura.
Também é assim que somos forçados a não perder a consciência de nossa própria história. O mesmo acontece com eles: não se esquecem do que foram -e, logo, são. E nós outros formamos a consciência de que serão necessárias duas, talvez três gerações, se tudo correr como necessário ao processo de democratização, para que não haja mais resquícios venenosos no profissionalismo militar brasileiro.
A história militar no Brasil, desde a conspiração para o golpe da República, é uma história de indisciplina. Muitos dos que viveram em indisciplina não podem compreender outra conduta.
BOCEJO
José Serra noticia que seu sonho de presidente "está adormecido". Se é adormecido, que nem sono mesmo é, Serra antecipa uma informação interessante.